Morreu
Filomeno de Jesus da Silva. Seco, enrugado, encovado, macilento, quase crocante
e quebradiço ao toque. Não que alguém tenha insistido em tocá-lo em seus
últimos momentos, mas esta era a aparência de alguém que, ainda em vida, estava
99,9% mais próximo do Reino Mineral do que do Reino Animal. Havia meses que
estava clinicamente neste estado. Talvez desde o nascimento ele vinha se
achegando ao Reino Mineral com uma insistência bubalina.
Essa intimidade com o mundo mineral podia ser
percebida, por exemplo, em sua atávica atração por fósseis e pedras.
Colecionava-os desde a mais tenra idade. Nenhum de seus fósseis, no entanto,
foi capaz de resistir às intempéries e sobreviver o tempo suficiente para
assistir ao desenlace de seu quase inorgânico possuidor: viraram pó muito antes
de Filomeno vislumbrar o portal da mineralidade. Ele viveu anos sem conta,
começando como uma diáfana mas insistente nuvenzinha de poeira levantada por
fraco sopro de vida. Entretanto, este universo é certeiro e nada escapa do
destino de chegar a um fim em sua forma de ser, e Filomento estava havia muito
em vias de deixar de ser a si mesmo, de ser aquela forma de se exercer numa
longa e lenta intenção de consolidação e de transição de pó para gente e de gente
para um arenito, um granito ou um andesito. Entretanto, só havia conseguido
chegar, quando do derradeiro suspiro, a um frágil, friável e esfarelento torrão
mal consolidado. Nunca haveria de aceitar polimento, nunca seria esculpido, não
serviria nem de calço de algum sofá de pé quebrado ou mesmo de uma pedra em uma
improvável intifada. Não serviria para nada. Quando muito, se esquecido num
leito de enxurrada, seria aos poucos levado ao mar como uma diluída pitada
incapaz de salgar o que quer que fosse. Tanto tempo para um fim tão pífio.
Filomeno morreu disso: de tanto exercer a si
mesmo como uma frágil intenção entre Reinos.