Texto de Bruno Borges.
O sol tenta quebrar o tom cinza dessa manhã perdida, acordo aos tropeços cegos de uma noite já esquecida e enterrada junto com a alegria que me falta ao ver os primeiros raios de mais um dia que não deveria estar acontecendo. Agora eu sei que procurar se tornou uma resposta vazia e não vale a pena tentar entender o que acontece a nossa volta quando a resposta somos nós. Agora minhas vestes tão surradas encobrem o meu corpo cheio de cicatrizes invisíveis ao olhar desapaixonado de quem quero e uma pergunta me atormenta a cada vez que te imagino: Quem é o príncipe e quem é o rato?
Repassando momentos dolorosos da noite passada que mais queria esquecer do que reviver, me lembro vagamente de alguns flashes que agora parecem ser até mentira. Risos altos, dentes brancos, respiração perto, sussurros no ouvido, mãos se tocando, olhares que se entendem, pernas cruzadas, calor, bebida no mesmo copo, boca. Mas não consigo entender quando tudo deu errado, de príncipe virei rato.
Meus sapatos parecem apertados e minha cabeça cheia de devaneios viaja e da voltas cada vez mais rápidas, escoro na parede e me olho no espelho, um misto de surpresa e conformidade me inunda, ainda é o mesmo rosto. Se é o mesmo rosto temo que ainda seja o mesmo sofrimento que anda corroendo o coração que bate a cada segundo pra mais um dia ou pra menos um?
Os meus olhos talvez tenham conseguido enxergar o que nunca me disseram, o que eu nunca quis realmente entender. Você nunca foi minha. Por mais que eu tenha vivido ao teu lado em todos os momentos, até quando o oceano estava entre nós, até quando um amigo que não via o que estava acontecendo sentava entre a gente e ia junto comigo enquanto eu te levava pra casa. Você não pertence a ninguém.
A imagem que eu nunca pude ver de você caminhando sem olhar pra trás, toda segura e destemida seguindo o sonho em que você acreditava invadiu a minha mente e me deixou novamente atordoado. O momento em que o príncipe dos teus sonhos deixou de existir e passou a ser o rato que você gostava de brincar quando havia o tempo para isso, simplesmente fez o sentido que faltava. Você foi embora sem se despedir, me deixou jogado no canto acuado, entre o nada e a armadilha com queijo. Eu queria ser esse rato que você mantém na gaiola, com sua roda e agua morna. Assim eu poderia sustentar com um pouco mais de veracidade a imagem que não me deixa e me mantem seguro de sua existência.
Hoje parece que nada disso te incomoda, talvez seja só eu que sinta tudo isso com uma força que não pertence a essa terra, lotada de sonhos perdidos e corações partidos. Mas eu ainda tenho que acordar pra mais esse dia, tomo minha aspirina com red label e respiro fundo. Agora é só apertar o play e fingir que não pensei em nada disso. Onde está o príncipe e quem é o rato? Segue o rock, Mr. Kotzen!